Ela acordou com aquela sensação
de dúvida existencial do tipo caso-ou-compro-uma-bicicleta. Levantou-se e,
metodicamente, como fazia todas as manhãs, arrumou a cama, tomou um banho, trocou
de roupa, tomou café da manhã lendo o jornal local, já esperando as mesmas
notícias de sempre. Naquele dia, porém, quase se engasgou com seu café. Leu no
jornal que a banda Pearl Jam chegaria à cidade para um show. Sua banda
favorita. De um salto, jogou o jornal para um lado, o pão com manteiga pro
outro e resolveu, como se faz no dia 31 de dezembro, que se casaria com Eddie
Vedder. Pegou sua bicicleta e rumou pro único hotel da cidade, onde, certamente
a banda estaria hospedada.
O engraçado das resoluções que
tomamos, seja na véspera do Ano Novo ou simplesmente quando estamos de saco
cheio das conformações que nossa vida vai criando quase que sozinha é que
somente fazer a resolução não faz com que as coisas mudem como num passe de
mágica. As academias enchem e esvaziam porque não tem nada de mágico em cuidar
da forma física. Parar de fumar? Voltar a estudar? Viajar mais? Fazer uma
poupança? Casar com o Eddie Vedder? É tudo tão complexo e precisa de tantos
planos que, quando nos damos conta da (im) possibilidade, apenas desistimos. E
nos frustramos.
Sem se dar conta que não tinha um
plano para entrar no hotel, que não tinha ensaiado seu discurso para convencer
o Eddie de que eles deveriam se casar e, principalmente, sem perceber a rapidez
com que decidira sua resolução, ela seguiu pro hotel, pedalando e cantarolando “oh where oh where can my baby be?”.
Ao chegar ao hotel, ela observou
o terreno. Muitas câmeras e pessoas histéricas gritando o quanto amavam a
banda, esperando que alguém surgisse na janela e desse um tchauzinho. Muitos
seguranças bloqueavam a porta principal. Um cenário de guerra, com vários
inimigos e obstáculos a impedindo de conquistar seu objetivo. Grande jogadora
de War que era, rapidamente pensou
nas possibilidades de entrar no território almejado sem danos. Logo uma porta
de entrada surgiu. Era a porta dos fundos, por onde saíam e entravam
carregamentos de comida e de roupas para o hotel. Sem pestanejar foi lá. E
entrou sem ser vista. Como se fosse invisível. Para garantir sua
invisibilidade, se vestiu com um uniforme de camareira que encontrou em um dos
sacos daquele lugar e seguiu em frente. Já vislumbrando como seria encontrar
com o Eddie e conversar sobre tantas coisas até que ele se apaixonasse
perdidamente por ela. No meio do caminho encontrou um carrinho com um espumante
e achou que seria de bom tom chegar ao quarto com um agradinho. Que quarto? Não
sabia onde estava hospedado. Mas isso não foi um problema. Se ela conseguiu
driblar uma multidão ensandecida lá fora, achar o quarto seria fácil. E foi.
Chegando lá, bateu solenemente.
Quando o próprio Eddie abriu a porta ela sorriu e logo em seguida desmaiou.
Essa é a segunda coisa engraçada sobre resoluções que tomamos. Quando conseguimos
superar as dificuldades que surgem magicamente no momento em que definimos que
é aquilo que queremos para nossa vida, nem sempre estamos fortes o suficiente
para aguentar as cargas emocionais. Superar obstáculos é muito bom. Superar obstáculos
em direção a uma resolução praticamente impossível é fenomenal e causa esse
tipo de reação. Tenho a ligeira impressão de que isso acontece porque, até o
último minuto, somos incapazes de acreditar em nós mesmos e na nossa capacidade
de vencer ao menos uma vez na vida. Ela viu, veio, venceu e não agüentou a
emoção. O que foi muito bom pro encaminhamento da resolução: assustado com a
moça que caiu a sua frente, Eddie a pegou nos braços, levou pra dentro do
quarto, colocou em sua própria cama e abanou com um folder do show para que ela
recobrasse consciência.
Já acordada, ela sentou e
sentindo-se muito envergonhada começou a se desculpar. Eddie disse que não havia
problema e que estava tudo certo, oferecendo-lhe um copo d’água. Ela contou que
era uma grande fã da banda e que havia driblado seguranças e fãs só para estar
ali. Mas não revelou a verdadeira motivação. O casamento. Que ideia maluca! Ela
nunca quis se casar, porque justo agora haveria de querer? Achou melhor omitir aquela
parte. Depois de alguns minutos de conversa, um CD autografado, uma selfie
tirada com smartphone, ingressos para o show e uma palheta, resolveu que era
hora de ir embora e deixar Eddie seguir sua vida. Despediu-se de sua resolução
como quem se despede de um amigo que vai virar um ermitão no Tibet. Desceu os
andares e voltou pra casa relembrando todo o esforço que havia feito aquele
dia.
E essa é a terceira coisa
engraçada sobre as resoluções: quando não desistimos de primeira e superamos
vários obstáculos para, no fim, perceber que não era nada daquilo que se
queria, a sensação que fica não é a de vazio, como seria em caso de desistência
antes da tentativa. Na realidade, fica uma sensação de dever cumprido e de
autoconhecimento, o que vai na contramão daquele mantra “a-vida-é-curta-para-cometer-erros”.
Ninguém está livre de cometer erros na vida e são eles que nos fazem crescer.
Acordar sem saber o que fazer da vida e resolver, de supetão, casar com o Eddie
Vedder não é um erro. É uma possibilidade de caminho entre tantos que todos os
dias surgem a nossa frente. Basta escolher em qual seguir. Basta superar os
obstáculos que vão surgindo (o que não é fácil). Basta voltar se quiser
desistir e tomar o outro caminho. As palhetas, selfies e os autógrafos que ficam,
ou que deixamos, na medida em que caminhamos são provas de que temos histórias
pra contar.
(Após show do Pearl Jam, em Porto Alegre dia 11/11/2015 - um sonho realizado, ainda que não tenha nem chegado perto do Eddie Vedder)
(Após show do Pearl Jam, em Porto Alegre dia 11/11/2015 - um sonho realizado, ainda que não tenha nem chegado perto do Eddie Vedder)
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